RUA 25 DE ABRIL
(c) António José Queiroz
Esta rua, pomposa e injustificadamente considerada avenida durante dezenas de anos, situa-se na freguesia de Ataíde, entre a Rua 5 de Outubro e a Avenida Nova. Designou-se, desde meados dos anos 40 do século XX até finais de Abril de 1974, Avenida Peixoto e Cunha.
Nascido na freguesia de S. Jorge de Arroios (Rua Visconde de Santarém, nº 32), em Lisboa, a 19 de Dezembro de 1885, António Guerreiro Peixoto e Cunha era filho de Alberto Fernando Peixoto e Cunha (oficial do exército) e de Maria Cecília Pery Guerreiro de Amorim, neto paterno de José Fernando da Cunha (da Casa de Vilela, Gondar) e de Francisca Ribeiro Peixoto, e neto materno de João Crisóstomo Guerreiro de Amorim e de Mariana Inácia de Loyola Pery de Linde.
Em 24.9.1932, António Peixoto e Cunha casou, em Lisboa, com Maria do Carmo de Barros Pereira de Carvalho (Bahia, 25.3.1890-Telões, 4.1.1958), senhora da Casa de Freitas, em Telões. Deste casamento não houve descendência. Proprietário rural e (em África) funcionário superior da Companhia de Moçambique, Peixoto e Cunha foi (em Amarante) administrador do Concelho, presidente do Grémio da Lavoura, mesário da Santa Casa da Misericórdia, presidente da Assistência Nacional aos Tuberculosos, vice-presidente e presidente da Câmara Municipal, cargo que exerceu de 27 de Junho de 1946 a 5 de Dezembro de 1950.
No dia 20 de Agosto de 1944, numa iniciativa de Ataíde e de Real, a que se associaram Oliveira e Travanca, Vila Meã homenageou a Câmara Municipal de Amarante. Peixoto e Cunha, vice-presidente (mas presidindo interinamente ao município), marcou presença e foi, naturalmente, a figura central dessa homenagem. O almoço então realizado decorreu na Casa de Benfica. Em representação das freguesias vilameanenses discursou o Prof. Torquato de Sousa Soares, que, na circunstância, agradeceu alguns melhoramentos, nomeadamente o restabelecimento do comboio directo que, do Porto, servia Vila Meã. Pediu, porém, outros melhoramentos: o aproveitamento da estrada que, da Feira, ligava à EN 15, a regularização de alguns caminhos vicinais, a elaboração do plano urbanístico de Vila Meã e a restauração do Pelourinho. De concreto, Peixoto e Cunha nada prometeu; não deixou, porém, de lembrar o seu programa, que resumiu numa curiosa e sugestiva divisa: “Tudo pelo concelho de Amarante; nada contra o povo de Amarante”.
António Guerreiro Peixoto e Cunha faleceu em Telões (Amarante), no dia 13 de Outubro de 1963. Em 1974, poucos dias após a chamada “Revolução dos Cravos”, a placa com o seu nome foi substituída por outra com a designação “Avenida 25 de Abril”. Aquando da colocação generalizada das placas toponímicas (de carácter uniforme), fez-se a substituição de Avenida para Rua 25 de Abril. Esta designação, como se sabe, evoca um dos acontecimentos políticos mais significativos da História de Portugal. Está ainda, obviamente, na memória de muitos. Para os mais novos, porém, aqui fica uma breve referência a essa data.
A Revolução de 25 de Abril de 1974 foi executada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA). Muitos dos seus principais intervenientes eram capitães; daí ser também o MFA conhecido por “Movimento dos Capitães”.
Com raízes complexas e já distantes, o 25 de Abril teve na Guerra Colonial (1961-1974) a sua causa mais próxima. Esgotado o “estado de graça” dos primeiros anos do “consulado” de Marcelo Caetano, que sucedera a Salazar em Setembro de 1968, o mal-estar vivido nas Forças Armadas foi-se generalizando à medida que crescia a convicção de que não era pelas armas que podia resolver-se a “questão ultramarina”. A solução teria de ser política e não militar. Curiosamente, seria uma decisão do governo, (Decreto-Lei n.º 353/73, de 13 de Julho, que aprovava a passagem ao quadro permanente de oficiais milicianos) que serviria de pretexto para o início das reuniões (de carácter corporativo) que culminariam na formação do MFA.
No mês anterior decorrera, no Porto, o I Congresso de Combatentes do Ultramar, conservador e pró-governamental, que suscitou protestos de centenas de oficiais do quadro, nomeadamente Carlos Fabião, Firmino Miguel, Ramalho Eanes e Vasco Lourenço.
À medida que o tempo passava intensificava-se a politização dos protestos, encabeçados, entre outros, por Otelo Saraiva de Carvalho, Vasco Lourenço, Diniz de Almeida, Duran Clemente, Manuel Monge, Salgueiro Maia, Matos Gomes, Sousa e Castro, Marques Júnior, Hugo dos Santos, Melo Antunes, Vítor Alves e Pinto Soares.
No Outono de 1973 o objectivo de muitos oficiais era já o fim do regime e não apenas uma reivindicação de carácter corporativo. Em Setembro e Outubro desse ano surgem (na Metrópole, na Guiné, em Angola e Moçambique) as Comissões Provisórias do MFA. Em Dezembro é eleita a primeira Comissão Coordenadora, de que fazem parte (directamente ou em representação) Vasco Lourenço, Vítor Alves, Marques Júnior, Hugo dos Santos, Otelo Saraiva de Carvalho, Salgueiro Maia, Manuel Monge, Neves Rosa, Sousa e Castro, Luís Domingues, Miquelina Simões, Fialho da Rosa, Moreira Azevedo, António Torres, Luís Macedo, Cardoso Figueira, Manuel Geraldes, Pinto de Castro, Pinto Soares, Mourato Grilo, Ferreira de Sousa e Rafael Saraiva (todos do exército). Por eleição, a direcção foi entregue a Vasco Lourenço, Otelo Saraiva de Carvalho e Vítor Alves.
O governo não desconhecia as actividades conspirativas entretanto alargadas com os contactos estabelecidos com oficiais de patente superior a major, casos de Vasco Gonçalves, Franco Charais, Rosa Coutinho, Pezarat Correia, e até generais, nomeadamente Spínola, Costa Gomes e Kaúlza de Arriaga; este último chegou mesmo a colocar a hipótese, prontamente rejeitada pelos capitães, de tomar a iniciativa de substituir Marcelo Caetano. Prova desse conhecimento foi a transferência de oficiais para unidades afastadas e até algumas detenções por breves períodos de tempo (caso de Vasco Lourenço).
As ligações a outras unidades, nomeadamente da Marinha e da Força Aérea, tornam irreversível o movimento. Falhado o chamado golpe das Caldas da Rainha, em 16 de Março de 1974 (na sequência das demissões de Costa Gomes e Spínola dos altos cargos militares que então ocupavam), os preparativos irão prosseguir, sob a batuta de Otelo Saraiva de Carvalho, que, para o efeito, contou com a preciosa colaboração de Garcia dos Santos, Vítor Alves, Eurico Corvacho, Jaime Neves, Vítor Crespo, Sanches Osório, Lopes Pires, Hugo dos Santos e Morais e Silva, para além, claro está, dos outros elementos da Comissão Coordenadora.
Na madrugada de 25 de Abril tudo está a postos. As unidades envolvidas põem-se em marcha após serem transmitidas (pelos Emissores Associados de Lisboa e Rádio Renascença) as canções “E depois do Adeus”, de Paulo de Carvalho, e “Grândola, Vila Morena”, de José Afonso. Várias unidades saem dos quartéis, ocupando posições estratégicas em Lisboa. Outras haveriam de tomar igual iniciativa no Porto e não só. Os episódios mais significativos ocorreram, porém, na capital, tendo como figura mais destacada (por parte dos revoltosos) o capitão Salgueiro Maia, que, comandando uma coluna de blindados da Escola Prática de Cavalaria (Santarém), montou cerco aos ministérios do Terreiro do Paço forçando, no final da tarde, a rendição de Marcelo Caetano, que se encontrava refugiado no Quartel do Carmo. Foi aqui que se fez a transição simbólica do poder, entregue por Marcelo Caetano ao general António de Spínola. À margem dos acontecimentos ficou o último Presidente da República do Estado Novo, almirante Américo Tomás, que, a exemplo do deposto Presidente do Conselho, se exilou no Brasil.
Com data de 25 de Abril, foi publicada a Lei n.º 1/74, que dissolvia a Assembleia Nacional e o Conselho de Estado, destituía o Presidente da República e exonerava o Governo, conferindo à Junta de Salvação Nacional os respectivos poderes.
Coube ao general António de Spínola presidir à Junta de Salvação Nacional. Criada a 25 de Abri e apresentada publicamente na madrugada do dia 26, dela também faziam parte os generais Francisco Costa Gomes e Diogo Neto, o brigadeiro Jaime Silvério Marques, o coronel Galvão de Melo, o capitão-de-mar-e-guerra José Pinheiro de Azevedo e o capitão-de-fragata António Rosa Coutinho.
O Diário do Governo, de 25 de Abril de 1974, publicava as leis que dissolviam a PIDE/DGS, a Legião Portuguesa, a Mocidade Portuguesa, a Censura e a Acção Nacional Popular (o “partido” único do Estado Novo). Eram também exonerados os governadores civis e os governadores-gerais das colónias. No dia seguinte publicava-se a lei que amnistiava os presos políticos. Eram cerca de 130, a maioria dos quais em Caxias e em Peniche.
O programa do MFA determinava (entre outros aspectos) que o período de excepção terminaria logo que, de acordo com a nova Constituição Política, estivessem eleitos o Presidente da República e a Assembleia Legislativa; que o Governo Provisório lançaria os fundamentos de uma nova política económica, posta ao serviço do Povo Português, em particular das camadas da população mais desfavorecidas; uma nova política social que teria essencialmente, como objectivo, a defesa dos interesses das classes trabalhadoras. Reconhecia ainda esse programa que a solução das guerras no Ultramar era política e não militar; daí determinar o lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduzisse à paz.
Após um ano de muitas vicissitudes, mas de intensa e generalizada participação cívica e política, os portugueses foram chamados às urnas, em 25 de Abril de 1975, para escolher os 250 deputados à Assembleia Constituinte que iriam redigir uma nova Constituição. Foram as primeiras eleições verdadeiramente livres que se realizaram em Portugal. A Constituição da República, aprovada em 2 de Abril de 1976, é ainda hoje (apesar das sete revisões a que entretanto foi sujeita) a nossa Lei Fundamental. No seu artigo 1.º (redacção actual) afirma que “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Que assim seja para esta e para as gerações vindouras.