Vila Meã, uma terra com história...

Recordando a inauguração da luz eléctrica em Vila Meã

Recordando a inauguração da luz eléctrica em Vila Meã

(c) António José Queiroz

 

Há [mais de] 75 anos, mais precisamente no dia 18 de Março de 1928, Vila Meã viveu um dos dias mais importantes da sua história: a inauguração da luz eléctrica. O acontecimento mereceu honras de destaque (com foto) na primeira página do diário portuense O Primeiro de Janeiro (que na segunda página publicou uma notável reportagem do seu enviado especial) e do semanário amarantino Flor do Tamega. É a partir destes dois jornais que se procurará fazer a reconstituição deste importante acontecimento, cuja concretização se deveu sobretudo ao esforço e à dedicação de dois ilustres vilameanenses, António Pinto Marques e Carlos Alberto Rebelo de Freitas. Segundo O Primeiro de Janeiro, a essa “grandiosa e bela aspiração” de Vila Meã ambos meteram ombros “com o aplauso e louvor de todos os seus conterrâneos”, removendo “as mil e uma dificuldades que lhes estorvavam o caminho”. Diga-se de passagem que antes da luz eléctrica, a nossa terra não conhecera qualquer tipo de iluminação pública.

Mas, como era Vila Meã naquela época distante? O enviado do Janeiro dá-nos a resposta:

“Vila Meã é uma encantadora povoação que se espraia garridamente por entre vergéis deslumbrantes de que a Natureza é tão pródiga na bela região de Entre Douro e Minho”. [...] Bem situada e tendo a servi-la excelentes meios de comunicação, pode bem considerar-se um grande centro de actividade agrícola, comercial e industrial”.

Mostrando não ignorar o passado desta terra, o jornalista afirma ainda que Vila Meã, após ter perdido a condição de sede de concelho, “nunca deixou de manter o seu predomínio regional, desenvolvendo-se de ano para ano a olhos vistos, mercê do esforço e dedicação dos seus filhos”.

Vale a pena recordar que Vila Meã perdeu a referida condição em 24 de Outubro de 1855. A partir de então ficou entregue a si própria. O fim da Monarquia e o advento da República não trouxeram nada de novo a esta terra. A Câmara Municipal de Amarante, dominada de 1910 a 1926 (com um breve interregno entre finais de 1917 e finais de 1918) pelo republicano António do Lago Cerqueira sempre ignorou Vila Meã. O fim da República acalentou algumas esperanças de desenvolvimento, esperanças que vieram a reforçar-se quando, durante a Ditadura Militar, por alvará do Governador Civil do Porto, de 18 de Março de 1927, se constituiu uma nova Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Amarante, de que faziam parte, como efectivos, o Tenente-Coronel Alberto Amâncio Costa Santos (Presidente), o Tenente Médico José Gomes F. Martins e António Guedes de Vasconcelos e como suplentes Alexandre Luís Carvalho Cerqueira, António Pinto Marques, Alfredo Pinto Soares e Joaquim Abreu da Mota. O relacionamento entre a Câmara e Vila Meã passou a ser efectivamente diferente, como o comprovam alguns discursos proferidos durante os festejos de 18 de Março de 1928. Mas não foi longa a lua-de-mel, como bem o sabem algumas gerações de Vilameanenses.

Para comemorar a inauguração da luz eléctrica, constituiu-se a seguinte “Comissão de cavalheiros”: Bruno José Taveira, Torquato de Oliveira Carvalho, Justino da Silva Cunha, Joaquim Pinto de Magalhães, Torquato Teixeira Alves e Joaquim Ferreira Bessa de Magalhães.

O programa do dia 18 (Domingo), que mobilizou “milhares de pessoas, não só de Vila Meã como de povoações circunvizinhas”, contou com farto foguetório, a cargo de “cinco dos melhores fogueteiros”. Iniciou-se às 12 horas com a entrada das Bandas de Música de Revelhe (Fafe), Felgueiras e Vila Boa de Quires; durante a tarde, as Bandas tocaram alternadamente em três coretos do Largo da Feira, o epicentro dos festejos, onde teve também lugar uma Quermesse, isto é, um bazar, ou, como aqui dizemos, um leilão de prendas. Da Comissão da Quermesse faziam parte: Manuel Antunes Bastos, Fernando de Oliveira Mendes, Viriato Lima, António de Oliveira Carvalho, José Augusto de Magalhães, Bento Coelho de Magalhães, José Joaquim Taveira e Alfredo Baptista Teixeira. Entre os objectos leiloados figurava um quadro a óleo do pintor Acácio Lino.

Às 19,30 horas estava prevista a inauguração da luz (de cuja instalação, pública e privada, se encarregou o portuense Artur Pereira Valente), mas, à boa maneira portuguesa, por atraso das entidades oficiais, o acto só se realizou meia hora mais tarde. Quando o Juiz da Comarca, Dr. Luís Manuel Moreira, perante os elementos da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Amarante e do Administrador do concelho, Tenente Basto e Pereira, rodou o maquinismo e “a luz se fez em toda a vila o entusiasmo que se estabeleceu em toda a assistência foi deveras enternecedor, ouvindo-se salvas de palmas e vivas ao progresso de Vila Meã, enquanto a banda de Vila Boa executava a «Maria da Fonte» e uma grande girândola de foguetes estralejava no espaço”. Quem devia ter vindo e não veio, embora enviassem telegramas ao Presidente da Comissão Administrativa da C. M. de Amarante justificando a ausência, foram o Comandante da Região, Coronel Craveiro Lopes e o Governador Civil, Tenente-Coronel Nunes da Ponte.

Do Largo da Feira, as entidades oficiais e outros ilustres convidados seguiram para o palacete da Viscondessa de Sousa Soares onde foi servido um requintado Copo de Água, a cargo da portuense Confeitaria Cortez & Matias, do Bolhão. Para além dos nomes já referidos, marcaram presença: Dr. José Falcão, Dr. Álvaro Pereira, Dr. Pedro Macedo, Dr. Torquato Leite Brochado, Dr. Torquato de Sousa Soares, Dr. José Delfim de Sousa Soares, João Pereira Teixeira de Vasconcelos, Augusto Brochado, Artur Coutinho, Manuel Moreira da Silva, Armando Soares, Arnaldo de Vasconcelos, João Baptista Teixeira, Conde de Alentem, António de Sousa Cardoso, António Huet Bacelar, Lúcio Pinto Marques, Bernardo de Sousa Mota, Padre Manuel Moreira de Carvalho, José Pinto de Magalhães, Sebastião Leitão, Adriano Lencastre, José Ribeiro Soares, José de Bessa Ribeiro, Miguel de Lencastre Freitas, Pedro Carneiro, etc.

Como é costume, e o momento justificava, houve discursos. Começou por falar Artur Coutinho, da Casa das Teixeiras (Travanca), que, dirigindo-se a Costa Santos, disse as seguintes palavras, que em boa hora Pedro Carneiro, director da Flor do Tamega, registou:

“Vila Meã, que em tempos distantes, foi sede do concelho de Santa Cruz, ficou, para aquém desses tempos, no esquecimento dos homens que presidiram aos destinos do município, cuidando tão-somente de Amarante, com um amor que bem podia revoltar. Mas este povo, que sempre foi bondoso, resignou-se à sua condição de vencido sem uma queixa que pudesse ferir, sem um esboço de revolta que pudesse levar a uma possível autonomia.

Não quer isto dizer que pelo lugar que V. Exª hoje desempenha não tivessem passado, de então para cá, criaturas de valor incontestável, de probidade, sem dúvida; mas, não sei pelo quê, todos olharam sempre a parte norte do concelho, não digo com desprezo, mas olharam-na, seja-me permitido dizer, não a vendo nunca. E esta maneira de sentir e de ver estendeu-se, forçoso é dizê-lo, como epidémica, a filhos do vencido. Assim foi vivendo Vila Meã, terra em que há vida própria, porque há comércio e indústria, sempre esquecida, apenas lembrada como contribuinte e visitada para fins eleitorais.

Vários períodos revolucionários abalaram o torrão Português; e Amarante, que ia sempre melhor, tantos eram os salvadores insatisfeitos, continuava a vê-la, como há pouco disse, não a vendo nunca! Felizmente que à sua resignação estava reservada uma recompensa que não podia ser pressentida: Tal recompensa estava dentro da Revolução de 28 de Maio.

Quis a boa estrela desta linda terra que, desta vez, a Câmara fosse ocupada por homens desembaraçados de compromissos políticos, inteligentes e honestos, apenas norteados por bem servir a sua terra e, por ela, a sua Pátria, fazendo justiça a quem a merece, sem guarda avançada a indagar dos ideais de cada um.

Vila Meã, ao ver esta atitude, que somente dignifica, foi ao seu encontro e foi atendida sem entraves, festejando hoje, ainda que humildemente, a efectivação dum sonho que, há muito, havia sonhado”.

Costa Santos agradeceu o trabalho do seu colega de vereação, António Guedes de Vasconcelos, acrescentando que o povo de Vila Meã deveria considerar-se grato a António Pinto Marques e Carlos Freitas, a quem se devia, “principalmente”, tão importante melhoramento.

Aos discursos sucederam-se os brindes; após Costa Santos, brindaram Artur Coutinho, José Ribeiro Soares, Adriano Lencastre, Fernando Cardoso, Dr. José Falcão e Joaquim Pinto de Magalhães. O progresso de Vila Meã foi, naturalmente, comum a todos os brindes.

Enquanto decorria o Copo de Água, a festa continuava no Largo da Feira, onde não faltavam deliciosos tabuleiros de doces e (presume-se) outras iguarias, para além, claro, do vinho da região, sem que se verificasse “qualquer nota discordante”. Às 23 horas houve fogo-de-artifício e novos concertos pelas Bandas de Música.

No dia seguinte teve lugar uma Feira Franca, com exposição de gados. Para os Bois Gordos, o prémio era de 200$00 e coube a um exemplar de António Teixeira Varejão. Estava igualmente prevista a entrega de prémios para Bois de Trabalho, Vaca Leiteira, Porco de Criação e Cavalo Corredor mas, se os houve, nada ficou registado na imprensa.

Depois da festa de arromba para comemorar a inauguração da luz eléctrica, os nossos conterrâneos desejavam novas oportunidades para dar largas à sua alegria; segundo o enviado do Janeiro, o povo de Vila Meã aguardava a realização de mais dois melhoramentos, “pelos quais vivamente se interessam”: restabelecimento do notariado (que já estava prometido pelo ministro da Justiça) e ligação telefónica à rede geral do país. Ambos os melhoramentos viriam, de facto, a concretizar-se; depois, é o que se sabe: durante longos anos, como diria Artur Coutinho, Amarante “olhava para Vila Meã, não a vendo nunca”. Hoje estamos de novo na fase dos melhoramentos. Assim se vai fazendo a história da nossa terra. Até quando?

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