LARGO DA FEIRA
(c) António José Queiroz
É um dos espaços mais frequentados de Vila Meã. Situa-se na freguesia de Ataíde, entre as Ruas Luís Mendes de Araújo, Capela, Boavista e Igreja. Embora fosse, hoje como ontem, conhecido popularmente por Largo da Feira, a sua designação oficial foi, durante anos, Largo Dr. Torquato Brochado. Com toda a justiça, diga-se.
Sendo hoje um nome injustamente esquecido, Torquato Ernesto Teixeira Leite Cardoso Brochado foi um dos mais ilustres cidadãos de Vila Meã, terra que honrou e amou profundamente. Nasceu em Ataíde a 24 se Agosto de 1868. Era filho de Afonso Augusto Cardoso Brochado (1836-1918) e de Maria Augusta Teixeira Leite de Azeredo Monterroio (1839-1921), neto paterno de Alexandre Cardoso Brochado e Maria Benedita e neto materno de João Teixeira Leite e Ana Vitória (da casa de Eiró, Castelões). Foi casado com Elvira Ramos de Sousa Soares, filha do primeiro casamento do visconde de Sousa Soares. Dessa união não houve descendência. Daí ter sido seu herdeiro o Prof. Doutor Torquato Brochado de Sousa Soares (seu sobrinho e afilhado).
Após os estudos preparatórios efectuados nos portuenses Colégio S. Carlos e Academia Politécnica, Torquato Brochado inscreveu-se em medicina na Escola Médico-Cirúrgica do Porto, onde foi discípulo de distintos professores, tais como Augusto Brandão, Azevedo Maia, Clemente Pinto, Ricardo Jorge e Roberto Frias. Concluiu a sua licenciatura “com honrosas classificações”, a 16 de Julho de 1897, após apresentação de uma tese intitulada Lithotricia e um caso de cálculo vesical.
Embora centrada em Vila Meã, a acção clínica do Dr. Torquato Brochado estendia-se aos concelhos de Penafiel, Marco de Canaveses, Felgueiras e Lousada. Durante cerca de 30 anos foi também médico dos Caminhos de Ferro. Era um extraordinário “médico-parteiro”; pode dizer-se que ajudou a nascer a maior parte dos seus jovens conterrâneos.
No Porto, foi sócio (e chegou mesmo a dirigir) a antiga Sociedade Medicinal Sousa Soares, Lda. Nessa cidade desenvolveu também outra actividade (de contornos políticos): a direcção de O Porto, jornal diário, monárquico, fundado pelo Visconde de Sousa Soares. Nos seus tempos livres (que não eram muitos) gostava de caça. Tinha fama de grande caçador, sobretudo da “lebre a corricão”.
Após prolongada doença, que suportou estoicamente, o Dr. Torquato Brochado acabaria por falecer, na sua Casa do Marmoiral, a 5 de Abril de 1937. Foi seu médico assistente o Dr. Joaquim da Silva Cunha. Na capela da casa, “armada em câmara ardente”, celebraram missas de corpo presente os Abades de Ataíde (P.e Sabino de Barros Leal), Travanca (P.e Cosme de Castro Neves), Real (P.e Dr. António Ferreira) e Castelões (P.e Abel Moreira), bem como o Padre Manuel Moreira de Carvalho, da Casa da Trigueira (de Mancelos).
O funeral, para o cemitério de Ataíde, constituiu “uma tocante e grandiosa manifestação de sentimento”, nele se incorporando centenas de pessoas. Não admira. Amigo dos seus doentes, o Dr. Torquato Brochado fez do exercício da sua profissão um verdadeiro sacerdócio. Ficou conhecido como “o pai dos pobres”, tal a sua abnegação e generosidade para com o povo da sua terra. Vila Meã tem para com ele (e não só) uma dívida que urge saldar.
O Largo da Feira é assim conhecido devido ao mercado bimensal que, desde há séculos, acontece em Vila Meã, na freguesia de Ataíde. Nos nossos dias, a feira realiza-se nos dias 6 e 22 de cada mês. Se a Páscoa é distante desses dias, é costume realizar-se um “feirão” na Quinta-Feira Santa. Vem isto já de há muitos anos. Mas nem sempre foi assim. De facto, nos séculos XVIII e XIX, a feira realizava-se nas primeiras Quintas-Feiras e aos 12 de cada mês, bem como no dia de Santa Luzia (13 de Dezembro), na segunda oitava de Natal e no dia de S. Sebastião (20 de Janeiro); só a da segunda oitava é que era franca (ou forra, como então se dizia); nas outras pagava-se sisa ao rei. No século XX, a feira chegou a realizar-se nas primeiras Quintas-Feiras e aos 22 de cada mês; acabou, porém, por se fixar nas datas acima referidas (que, julga-se, estão para durar).
Durante séculos, o gado constituiu “a principal mercancia” da feira de Vila Meã. O que não admira, sabendo-se que a agricultura era a actividade económica mais importante do concelho de Santa Cruz de Riba-Tâmega (que aqui tinha a sua sede). Poderá ter-se uma ideia aproximada dos frequentadores da feira, tendo em conta os ofícios existentes no concelho. No período compreendido entre 1793 e 1839 (a 15 anos, portanto, da sua extinção) os oficiais aqui registados eram os seguintes: alfaiates (48), carpinteiros (42), moleiros (36), tecedeiras (36), sapateiros (27), ferreiros (23), ferradores (19), pedreiros (18), soqueiros (7), barbeiros (4), tamanqueiros (3), ensambladores (1) e rebocadores (1). Este número era, obviamente, inferior ao real, já que nem todos os oficiais estavam registados, situação que obrigava a carta de exame e regimento; quem não fazia o registo estava sujeito ao pagamento de multas e coimas.
Nos finais dos anos 60 do século XX, a mudança do Externato de Vila Meã para os terrenos do Calvário (situados junto do Largo da Feira) obrigou a significativas alterações à estrutura da feira. Após queixas sucessivas, de pais, alunos e professores, a venda de gado bovino foi transferida para junto do Largo Bruno Taveira (hoje Largo Zé do Telhado). Medidas sanitárias impostas por vários governos após o 25 de Abril fizeram com que todos animais que aí se vendiam (bovinos ou não) acabassem por desaparecer da feira. Mesmo não tendo a importância do passado, a feira de Vila Meã continua a atrair inúmeras pessoas, muitas delas de freguesias vizinhas. É bem provável, porém, que nos próximos anos mude de local, abandonando definitivamente o espaço onde funcionou durante séculos.