José do Telhado ou Zé do Telhado, alcunha de José Teixeira da Silva (Lugar do Telhado, Castelões de Recesinhos, Penafiel, 22 de junho de 1818 — Mucari, Malanje, Angola, 1875) foi um militar e famoso salteador português.
Chefe da quadrilha mais famosa do Marão, Zé do Telhado é conhecido por "roubar aos ricos para dar aos pobres" e, por isso, muitos o consideram o Robin dos Bosques português.
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“Entregue esta Burra ao Dono!”
Feira de Vila Meã
[Tradição oral e escrita]
Nesse dia, a feira estava concorridíssima. Mas era sempre assim. Porque criatura que se prezasse não faltava à feira de Vila Meã.
A feira do gado era forte, e havia a carne de porco a frigir, e havia as provas de vinho, e havia os negócios, e havia as barracas, e os vizinhos todos que tinham vindo.
O José do Telhado, apesar de saber da tenaz perseguição que lhe movia o Administrador de Soalhães/Marco, o Adriano da Casa da Picota, não via nisso razão para faltar a acontecimento de tanta importância.
Pegou no seu varapau, companheiro inseparável naqueles acontecimentos, e pôs-se a caminho. Toda a gente sabia que ele sozinho, com o seu varapau, era capaz de varrer uma feira.
Chegado a Vila Meã, foi passeando por aqui e por ali, entre as barracas, apreciando o espectáculo.
- Ó Zé, anda cá provar este vinho, que é uma categoria!
Era o seu amigo Romão.
- Com todo o gosto! - respondeu.
Entrou na barraca e abancou à mesa, onde já estavam o Romão e mais dois amigos.
Entretanto, rapidamente se propagara a notícia;
- O José do Telhado está cá na feira! - dizia um.
- Nessa não me fio eu! - objectava um segundo. - Os regedores não o largam.
- Vi-o eu com os meus olhos! - contrapunha um terceiro. - Estava a provar um vinho. E todo janota... parecia um fidalgo! Abancado a beber! Que ele importa-se mesmo com os regedores...
Por todos os cantos da feira, repetia-se com insistência:
- O José do Telhado anda aí!
- O José do Telhado anda aí!
Alguns curiosos tinham-se aproximado do local onde os quatro estavam saboreando a bela pinga.
Porém, o ajuntamento era já muito grande e o José do Telhado começou a desconfiar.
Num grupo de desconhecidos cochichava-se, tramando-se incógnito plano.
Foi nessa ocasião que o Romão quase assoprou ao ouvido do José do Telhado:
- Precata-te, ó Zé, que estão aí os espiões do Administrador!
O José do Telhado levantou-se nas calmas e encarou o ajuntamento. O Romão quis pôr-se a seu lado, mesmo sem varapau, mas ele disse-lhe:
- Deixa comigo! Trato disto sozinho!
Na realidade, havia bastantes homens em atitude agressiva, empunhando varapaus e cajados.
Foram momentos de silêncio e expectativa.
- É dar-lhe! - quebrou uma voz. - É preciso apanhá-lo! Ou vivo ou morto!
- Se for morto, já não incomoda ninguém! - acrescentou um dos parceiros.
Olhando e pensando rápido, o José do Telhado mediu toda a crítica situação em que se encontrava. E percebeu também que os seus inimigos, apesar de tantos, nem mesmo assim se afoitavam muito a avançar o primeiro passo.
Foi isso que ele aproveitou.
Num pulo de felino, colocou-se à entrada da barraca, empunhando o varapau e enfrentando os adversários.
- Então vamos lá! - disse. - Querem-me vivo ou morto?
No jogo do pau era ele exímio, e viessem agora os valentões da Picota.
Fora, na verdade, decisiva a hesitação dos candidatos a agressores, e quando voltaram a si encontraram o temível opositor pronto para a defesa. A quantidade contra um dava-lhes grande vantagem, era certo. Por isso lançaram-se ao ataque.
- É dar-lhe! - incitou de novo uma voz.
Mas o pau do José do Telhado já voltenva no ar, fazendo um sarilho onde não era fácil penetrar.
Uma, duas, três cabeças partidas. Três homens fora de combate. E o José do Telhado continuava a rodopiar não permitindo que se aproximassem.
Do alto de uma soberba água castanha de pêlo luzidio, um rico lavrador observava divertido com a refrega, e sorria. A determinado momento comentou:
- Vocês são uns valentões! Tantos e não chegam para um homem!
O José do Telhado aparava de um lado, aparava do outro, e ninguém conseguia chegar-se a apertar o cerco.
- Venha lá um de cada vez! - convidou o destemido homem de Sobreira.
Mas eles nem todos juntos logravam romper a roda.
- O homem dá-vos água pela barba! - tornou daí a instantes o lavrador da égua castanha.
E a paulada continuou.
Mais outra cabeça partida. E mais outra.
Porém, o número de agressores aumentara consideravelmente. Já ascenderia à trintena. O José do Telhado apercebeu-se do melindre da situação. Olhou para o lavrador que, do cimo da égua, continuava a apreciar o espectáculo. Teve então uma ideia fulminante. E, se bem o pensou, melhor o fez: rodopiou o sarilho naquela direcção e, num fantástico salto, colocou-se em cima da soberba égua, derrubando com mão de ferro o curioso lavrador:
- Já que só está a ver, também pode ver do chão!
E fez a égua voltear garbosamente.
Depois pô-la a caminhar em gracioso trote e despediu-se delicadamente dos seus agressores, tirando o chapéu da cabeça e acenando-lhes com ele enquanto se afastava sem pressas:
- Adeus! Adeus! Até vista!
Remordiam-se os homens da Picota perante tão humilhante derrota. Ainda correram, em surriada, atrás da égua. Mas breve desistiram: porque se nem a pé se haviam com o José do Telhado, quanto mais tendo de apeá-lo da montada.
- Adeus! Adeus! - e o terrível rival ainda lhes acenava ao longe de chapéu na mão o que lhes fazia aumentar o despeito.
Três quilómetros adiante, à entrada de Salgueiros, o José do Telhado cruzou-se com um camponês e perguntou-lhe:
- Vossemecê vai para a feira?
- Vou, sim senhor.
Desmontou agilmente e passou-lhe a rédea para a mão:
- Então, se faz favor, pergunte lá pelo dono desta burra e entregue-lha.
O camponês arregalou os olhos e já tinha dado dois ou três passos quando se lembrou de perguntar:
- Diga-me vossemecê da parte de quem vou…
- Da parte do José do Telhado.
- Do José do Telhado?! - exclamou o atónito camponês, arregalando ainda mais os olhos.
- E diga-lhe que se o José do Telhado lhe puder ser prestável não tem mais que mandar.
E prosseguiu calmamente o seu caminho a pé.
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Retirado de: "José do Telhado - Vida e Aventura"
de José M Castro Pinto - Plátano Editora, pp. 224-229